Não foram apenas as mudanças de postura, incluindo as bravatas, os vexames, os ataques de pelanca de (pseudo) autoridades e o desfile de moda da última máscara – social e pano – do momento. A pandemia nos trouxe muitos caminhos de interpretação sobre os comportamentos nos últimos meses.
Se houve uma certeza durante a visita da Covid-19, foi a inutilidade da bobagem inicial. Sairemos melhores ou piores desta pandemia? A pergunta genérica serve única e exclusivamente para nos indicar quem sofre de Síndrome de Poliana. É ingênuo demais supor que um período tão curto quanto intenso fosse capaz de promover mudanças substanciais de mentalidade.
A pandemia reforçou preconceitos e modos de vida, além de expôr a megalomania de se acreditar que um mundo tão complexo nos permitiria interpretações tão ligeiras quanto pueris. Deveríamos nos dar por satisfeitos se conseguimos compreender (um pouco) melhor a nós mesmos e as pessoas próximas.
Outra piada que nasceu e se multiplicou mais do que a Covid foi a expressão “novo normal”.
Normal é diferente de adaptação. Não houve obediência geral à norma. Cada um improvisou do seu jeito. A expressão escondeu, acima de tudo, as picaretagens da exploração trabalhista, a obsessão da produtividade autoescravocrata e as encenações de família feliz feito publicidade de margarina do século passado.
Muitos se atrapalharam com o home office, poucos conseguiram construir uma rotina que separa o público e o privado – pesquisas mostram isso -, e todos sofreram emocionalmente. Ninguém escapou ileso.
Em algum momento, perdeu-se a capacidade de concentração para leitura, por exemplo. Muita gente teve insônia, alteração de peso e de pressão, problemas estomacais, entre outros males físicos. Irritabilidade e ansiedade viraram companheiros de Quarentena.
O “novo normal” surgiu como interrogação, mas afirmou o destino de uma vida previsível: mercadoria. Uma expressão que atraiu um cardápio de serviços e produtos que fingem aliviar as tensões no sentido de nos desviar do olhar interno. O que cada um vai aprender com esta pandemia?
O vírus, diga-se, não tem culpa de nada, exceto de ser quem é. Em muitos endereços contaminados por comportamentos fake news, ele foi a única criatura autêntica de 2020. E o ano sequer terminou.