Nesse encontro, o apresentador Maycow Montemor conversa sobre aceitação e mudança, ao lado da Cirurgiã Plástica Fernanda Audi e da Psicóloga Gisela Monteiro.
“Para defender essa mania que a busca pela perfeição natural estipulada pelas redes sociais justificamos que queremos ser saudáveis. Será? Até que ponto tem saúde no meio de tanta ansiedade?”, indaga Maycow ao abrir o programa.
Ele continua numa reflexão: “A geração que tenta se desconstruir o tempo inteiro, acaba por construir outros muros, inclusive pra esse tal de desmonte de padrões. Agora, a liberdade pede que os cabelos sejam ao natural, ou pelo menos que pareçam ser naturais. E aí daquela mulher de cabelo cacheado que ousar alisar os fios. Ela automaticamente será alvo de críticas daqueles que se aprisionaram aos novos padrões e não conseguem perceber o tamanho da jaula de vidro que estão submetidos. Desconstruir-se exige liberdade, e para Sartre, a liberdade é uma prisão, ou seja, todos estamos aprisionados às nossas escolhas, renúncias e culpa”.
A beleza já teve todas as caras, cores e formas, os corpos já tiveram diversas formas e hoje caminhamos para o corpo natural. E o que é natural tende a ser único e diferente, certo? Nem sempre.
Vale tudo pela beleza? Pra quem eu quero ser bonito? A vida digital cada vez mais banaliza procedimentos cirúrgicos sérios e oferta para o público, através de influenciadores digitais, corpos e rostos transformados como num passe de mágica. Com isso os casos de complicação também pipocam pelas redes.
“Existem limites? Quem determina o bolso ou o bom senso? De quem? Do médico ou do paciente? Na ansiedade por pertencer vale tudo, menos ser quem se é.”
A influenciadora Liliane Amorim, de apenas 26 anos, morreu no começo desse ano por complicações de uma cirurgia estética, a chamada Lipo HD. “De tanto ver no Instagram, eu decidi fazer aquela técnica famosa, que várias influenciadores estavam fazendo na época. Eu conhecia uma pessoa que tinha feito e tinha dado tudo OK pra ela lá, e pensei que pra mim também seria o caso. Então ao invés de fazer com alguém que eu já conheço, mas não faça a técnica, resolvi apostar em alguém que eu não conheço, mas vai me entregar essa técnica. Vi o antes e depois e achei que ia ficar legal em mim”, ela diz em um vídeo.
A cirurgiã plástica Fernanda Audi explica: “A Lipo HD é uma variação da técnica de lipoaspiração. É uma técnica que ela é indicada para pacientes já magros, com o corpo mais atlético, e que desejam uma aparência do corpo mais atlética ainda. Então é uma demarcação dos grupos musculares ainda mais definida”. São comuns marcações no abdômen, para ter um ‘tanquinho’, nos braços e até mesmo nas coxas.
Na clínica de Fernanda, existe uma grande procura por esse tipo de lipoaspiração. Ela conta que esse interesse surgiu principalmente graças aos influenciadores digitais, por frequentemente realizarem a Lipo HD. “As pessoas na ânsia desse corpo perfeito e malhado, que é o modelo imposto hoje em dia. Mas elas não querem fazer academia, e preferem passar por uma cirurgia”.
Mas a Liliane apontou em suas redes sociais o quão perigosas são esses procedimentos. “Fiz a cirurgia, e nesse dia subi para o quarto. Quem passou por lá pra conversar comigo foi o anestesista da equipe, e não foi o cirurgião, que geralmente passa pra te contar um detalhe da cirurgia, se teve alguma intercorrência, como é que foi, e quanto tirou de cada canto, etc. Ali não aconteceu essa conversa. No primeiro dia, com a equipe do hospital cuidando de mim, me fizeram perguntas que eu não sabia ao certo responder, porque eu não tinha detalhes ainda do cirurgião. No dia seguinte ele apareceu. Ele viu que no dreno estava saindo muito sangue, quando tiravam, ele voltava a encher de novo. Aquilo não estava normal. Minha mãe foi falar com algum médico de plantão do hospital e voltou pro quarto. Lá eles viram que eu precisava ir pra UTI. Se minha mãe não estivesse comigo, tendo a iniciativa de ir atrás por eu não estar bem, se eu
não tivesse ido até a UTI, eu não teria recebido a transfusão de sangue à tempo, disso eu poderia ter partido por uma besteira. Então isso mexeu muito com minha cabeça”, completa a influenciadora.
Maycow pergunta: “Como é que alguém consegue ficar bem depois de passar por uma sequência de intercorrências, como ela contou, e não pensar nessa possibilidade? Afinal foi uma escolha, você escolheu se submeter aquilo. Olha o peso que você carrega!”
A psicóloga Gisela Monteiro diz: “Quando a gente fala de imposição de um padrão, eu fico um pouco aflita quando apontam que a mídia impõe esse padrão, quando na verdade a mídia é um reflexo da sociedade. Então é uma sociedade que busca, e sempre buscou, pertencer. Hoje a gente tem inúmeras formas de conseguir oferecer essas transformações que não existiam no passado”.
“Comparando com a Psicologia, se oferece oferecem coisas que não tem milagre, assim como na cirurgia. A gente tem limites. Então tudo que é uma oferta de uma transformação radical em curto espaço de tempo, milagrosa, ela paga seu preço. Então como na psicologia, alguém que promete tratar depressão profunda em oito sessões… não tem como. Essa busca do pertencimento é uma coisa da natureza humana, e tem a ver com uma faixa etária”, diz a psicóloga.
Um novo movimento tem sido das mulheres mais velhas assumindo seus cabelos brancos ou grisalhos, coisa que antigamente era vista como algo ruim, e aí então entrava o procedimento estético de pintá-los. Mas existe o movimento contrário. “Eu falei dessas novas jaulas porque você se liberta de uma jaula e você se aprisiona em outra. Então agora as mulheres vão deixar o cabelo grisalho? Legal, quem quiser aceitar o cabelo grisalho aceita, e quem não quiser pode pintar. Só que aí vem aquela manifestação das pessoas que são contra tudo, que têm o prazer de ser contra. Parece que pra você sair de um padrão você acaba entrando em outro, inevitavelmente, independente qual é o gosto daquela pessoa”, diz Maycow.
Fernanda e seu marido, Josué, também cirurgião plástico, frequentemente apontam em suas redes sociais sobre o tamanho da responsabilidade do cirurgião plástico, principalmente nas mídias digitais. “Quando o mundo todo fala para você entrar em um padrão, vocês dizem ‘aceite seu corpo'”.
Fernanda diz que é recorrente que pacientes trazem para o consultório fotos com filtros do Instagram como modelo. “As pessoas se acostumaram a utilizar esses recursos para se sentirem bem, diferentes do que são. E aí elas vêm com a foto delas mesmas com filtro de Instagram dizendo que querem ficar daquela maneira, que assim elas acham ser o belo. Por um lado, os filtros de Instagram podem ser inocentes, como uma brincadeira. Mas por outro lado, não tem nada de inocente. Isso faz com que a pessoa perca um pouco sua individualidade, suas características, e querer se enquadrar naquele padrão”, a cirurgiã plástica reflete.
Gisela diz que trabalhou muitos anos com cirurgia bariátrica, e as pessoas iam para a cirurgia ‘como se fossem comprar camiseta’. “Eu ficava chocada com a banalização de um procedimento importante e sério. Para escolher um profissional da saúde de qualquer área, é necessário ter uma referência. Os conselhos, das diversas especialidades, regulamentam e fiscalizam. Se você vai ao médico ou à uma clínica, veja se está regular de acordo com o conselho, coisas que você consegue checar online”.
“Essa questão fica numa tentativa de adequação a um jeito que você se acha melhor mas a identidade é o centro da personalidade, é a nossa noção de si, e é construída ao longo da vida. Por estar com outra aparência, eu não necessariamente vou me sentir diferente. Eu posso ser tratada diferente, mas isso vai depender desta adequação do dentro com o fora”, explica a psicóloga.
Maycow se direciona para Fernanda: “O que é o melhor, o que é mais bonito? Quais são os limites que vocês determinam dentro da clínica? Porque eu passei por consulta com eles na clínica e vocês foram muito diretos. O que pode e o que não pode, o número de protocolos, o número de cirurgias que podem ser feitas, modificações… Eu me senti muito acolhido dentro daquele espaço. Quais são esses limites? O que vocês fazem questão de falar para as pessoas, e o que não precisam falar?”
A cirurgiã plástica responde: “O limite na verdade é muito subjetivo. Não existe um ‘gabarito’. A gente fala que o bom cirurgião demora algum tempo para aprender, o ótimo cirurgião desenvolve técnicas, e o cirurgião excelente é aquele que sabe a hora de não fazer isso. Ultimamente tem acontecido bastante de contraindicar cirurgias. Na conversa com o paciente, conseguimos alguns dados importantes deles, como os anseios dele, e o porque ele quer a cirurgia. É pra ele? É pra entrar dentro de um padrão? É pra agradar o marido, o namorado, as amigas? Se a pessoa está fazendo cirurgia por ela. Óbvio que sempre tem como melhorar algo. Tem como a gente envelhecer de forma mais bonita. Sempre tem aquela gordura que não sai, e precisa fazer lipoaspiração, Algumas áreas a serem preenchidas, alguma ruga para ser atenuada… Claro que tem. E essa é a parte saudável da cirurgia plástica, a parte que eleva a autoestima. Agora, essas pacientes que têm essas expectativas irreais em relação aos procedimentos são pacientes mais envelhecidas que vêm com foto da sobrinha de 15 anos, não com foto preta e branca dela quando ela era mais jovem e como ela deseja ficar novamente. Quando você vê que não é capaz de chegar naquela expectativa do paciente, é a hora de conversar com ele”.
Maycow completa: “Até porque muitas vezes a beleza ela não está única e exclusivamente ligada à estética. A beleza é um conjunto, às vezes a energia, o sorriso, a maneira com que você está consigo… Eu acho que interfere muito na beleza”.
Fernanda acredita que a beleza é algo que agrada os olhos, que atrai os olhares. “Mas temos que entender que a diversidade e pluralidade é o que faz o conjunto da sociedade ser bonito. Pensar em um só padrão restringe o conceito de beleza, que é um conceito tão grande e tão bonito”, diz a cirurgiã.
“Acho que pra gente se aceitar e aceitar a própria beleza exige muita maturidade. E como diz a Danit Pondé, a gente vive hoje em uma sociedade extremamente infantilizada. Como você vê esse processo de se aceitar e de não querer se submeter a tantas mudanças?”, pergunta Maycow à psicóloga.
Gisela explica: “O desenvolvimento significa a gente ir adquirindo ao longo do nascimento até a morte condições e recursos proporcionais a cada fase da vida. […] A Mafalda tem uma que é: ‘Por que justo a mim coube ser eu?’. a saúde mental está em estar confortável na pele da gente”.
“Eu acredito que a gente vive um momento da sociedade que falta capacidade do erudito, a capacidade de você ver nas entrelinhas e enxergar além do que está sendo exposto. É como se a gente estivesse perdendo o sentido de ouvir a música e não sentir a música. Então eu acho que essa falta de maturidade faz com que uma pessoa chegue na clínica e tenha que ser repreendido pelo próprio médico. Você não é a pessoa que você era com 20 anos, você é uma pessoa muito diferente. Você tem que viver essa sua maturidade”.
Maycow menciona a atriz Fernanda Montenegro, que aceita muito bem seu envelhecimento. Em uma entrevista ela diz que já fez o papel da filha, o papel da mãe, o papel da avó e até papel de bisavó. E tudo bem, porque essa é a Fernanda de agora. Não adianta querer hoje no alto da idade fazer o papel de mãe de uma adolescente.
O apresentador pergunta à cirurgiã Fernanda se é recorrente ver pessoas que querem mudar completamente. A cirurgiã plástica explica que existem pessoas que não querem de maneira nenhuma envelhecer, que vão ser convencidas de que conseguem chegar naquele padrão irreal e vão gastar rios de dinheiro, além de se mutilar, mas nunca vai conseguir chegar naquilo. E tem as pessoas que têm medo de mudar e de não se reconhecer. “As características individuais não tem como mudar, podem apenas melhorar um pouco. Mas elas devem ser preservadas, porque o ‘bonito’ é o singular da pessoa”.
“Temos que tomar muito cuidado com o tipo de conteúdo que a gente consome em rede social. Então por exemplo, aquela mulher que é mãe e trabalha até tarde, com pouco tempo livre, e de repente ela só segue nas redes sociais musas fitness, modelos, ela vai se guiar naquilo e vai se olhar no espelho e não vai gostar do que vê”, alerta a cirurgiã plástica.
Maycow e Fernanda falam sobre o ‘unfollow terapêutico’, que seria deixar de seguir perfis que te deixam mal sobre você mesmo a fim de melhorar sua saúde mental. “A partir do momento que aquele padrão de beleza te impulsiona pra ser uma versão melhor de você mesmo, melhorar aquilo que você pode melhorar, ter uma vida mais saudável, fazer uma academia, fazer um ou outro procedimento estético que você precise e que seja indicado como profissional adequado, eu acho isso legal. Agora a partir do momento que você tem danos com isso na parte psíquica, mental e social, a ponto de não conseguir mais colocar um biquíni ou não conseguir mais se relacionar naquele grupo de amigos perfeitos, aí tem problema. Você tem que se aceitar e ter autoestima, mesmo que você não esteja na sua melhor forma. Acho também que essa mudança vem de dentro para fora”.
Maycow finaliza: “No meio de tanta gente com medo de envelhecer e de perder essa tal da beleza, cabe muito bem as palavras do Reinaldo Antunes, que dizem mais ou menos assim: “A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer. Eu quero estar no meio do ciclone pra poder aproveitar, e quando eu esquecer meu próprio nome, que me chamem de velho gagá. Pois ser eternamente adolescente nada é mais demodé”.
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