A contagem diária de mortos banalizou a pandemia, tirando de nós a capacidade de entender o tamanho da tragédia. Cada morte é uma família destroçada: órfãos, viúvos, filhos, irmãos, sobrinhos, tios, sonhos desfeitos e tristeza no horizonte.
Enquanto isso, a sociedade doente e incapaz de entender a complexidade da tragédia sofre um verdadeiro paradoxo da verdade. Quanto mais indicadores e informações, maiores são as desconfianças. Assim, ninguém acredita em ninguém e as lendas urbanas dominam os debates nas redes sociais.
Isso acontece porque estamos vivendo na ‘Era dos Especialistas’, quando todo mundo tem uma verdade absoluta para chamar de sua. Aplicativos, novo normal, celebridades instantâneas, coaching para todo lado… A população anestesiada não consegue absorver tudo, e nem consegue descobrir como chegamos neste ponto. Ninguém liga para quem morre ou vive, contanto que a doença não chegue em sua porta.
As consequências destes eventos históricos serão sentidas por décadas, e o que mais choca é o fato de não ter acontecido um pacto civilizatório no Brasil, estamos todos contra todos.
Temos ainda os descalabros institucionais varrendo o País desde março de 2020. Chega ser uma repetição monótona: políticos fazendo o que sempre fizeram, cofres abertos, sociedade distraída e a crise facilitando tudo. Com a porteira aberta, passa o boi e passa a boiada. Corruptos não perdem tempo nem oportunidade, se chafurdam com maracutaias em um assalto descarado e sem perturbação.
Antes da pandemia, a parte produtiva do país tinha liberdade de trabalho, mas hoje se equilibra pagando impostos, mantendo empregos e o mínimo de fôlego para a economia não morrer. E, ao mesmo tempo, temos os comentaristas da varanda gourmet, que vivem em uma bolha cega e são incapazes de abrir mão de um privilégio sequer.
A população mais vulnerável social e financeiramente precisa contar com a “ajuda divina” para não ver a praga se proliferar e bater em sua porta. Para piorar, temos uma desunião estrategicamente fabricada facilitando a roubalheira generalizada.
Dividir para conquistar é uma eficiente tática para continuarmos escravos de um estado inchado, um legislativo corrupto e um judiciário covarde. Amarrados a uma elite incapaz de abrir mão de privilégios para ajudar a nação e tirar um pouco do peso que a sociedade carrega.
No meio disso, a contagem de mortos nunca traduzirá o tamanho do sofrimento das famílias vitimadas pela pandemia. Somos uma não-civilização.