Desde que foi instaurado como um crime específico, em 2015, o feminicídio cresce estatisticamente ano após ano no País. No ano passado, a morte de 3,8 mil mulheres foi configurada no artigo 121 do Código Penal brasileiro, como homicídio contra a mulher exclusivamente “pela condição de sexo feminino”.
Já abusos psicológicos, físicos, financeiros e outros tipos de violência doméstica contra a mulher são considerados crimes desde a Lei Maria da Penha, de 2006, pode condenar o agressor a até 3 anos de prisão (4, se a vítima for portadora de deficiência).
Em 2021, mais um avanço no combate à violência contra a mulher: a lei Federal nº 14.188/21, instituiu o programa de cooperação ‘Sinal Vermelho’, no qual a vítima pode fazer um X vermelho na mão (utilizando batom, por exemplo) simbolizando não-verbalmente que está sofrendo agressão e precisa de ajuda.
Apesar dos avanços na legislação, relacionamentos abusivos são cada vez mais comumente detectados. A expectativa dos especialistas é de que, quanto mais o assunto for disseminado, mais rapidamente possamos agir enquanto sociedade, resgatando e fortalecendo essas mulheres antes que se tornem vítimas irrecuperáveis.
O que dizem os especialistas
Para a psicóloga Luciana França, abusos em relacionamentos começam menores e vão aumentando gradualmente. “Sejam os abusadores do tipo de violência física, ou manipuladores, eles agem testando o limite das vítimas. Tomam uma atitude hoje, caso não sejam interrompidos sabem que podem fazer novamente amanhã… As vítimas, até percebem que há algo errado, mas não conseguem exatamente identificar o que está acontecendo para se defender”.
Segundo ela, o objetivo é desestabilizar emocional e psicologicamente a vítima, criando confusão mental grande o suficiente a ponto de não saber mais qual é a realidade. “Ele joga críticas e elogios, mentiras e verdades, tudo na mesma conversa. Uma verdade no meio de nove mentiras, por exemplo. E a verdade valida as mentiras. Assim, a vítima acaba acreditando em tudo e acha que é ela quem está louca, cismada com algo”.
O advogado Octávio Rolim explica que a legislação vem justamente para proteger as mulheres em casos extremos, ou mesmo evitar que chegue a este nível. “Através de algumas ferramentas processuais, como tirá-las de casa, separação judicial de maneira forçada, por assim dizer, ordem de restrição… entre outros. A legislação infelizmente caminha a passos curtos, mas está avançando”.
Quem é o frágil da relação?
No caso de alguns relacionamentos abusivos, a psicóloga enxerga o encontro de duas personalidades bastante características. “Uma pessoa que tem algum distúrbio, ou alguma insegurança a ponto de precisar exercer esse poder sobre outra. E alguém com a autoestima quebrada, a ponto de aceitar essas condições sem perceber ao que está sendo submetida”.
Os especialistas concordam que não necessariamente o abuso no relacionamento precisa partir de um homem para uma mulher, apesar de ser o perfil mais comum. Existem, ainda que em minoria, abuso por parte das mulheres para os homens, sem contar o abuso em relacionamentos homoafetivos. “Mas acaba, sim, atingindo mais o público feminino, que desde cedo cresceu assistindo aqueles filmes dizendo que ‘se você amar verdadeiramente, consegue transformar a fera em príncipe’. Eles romantizam a dor”.
Para Octávio, o papel não só da lei, mas da sociedade, é criar os filhos de maneira igualitária, hoje em dia. “Não separar as atividades em gêneros, com os clássicos ‘homem não pode chorar’, ‘menina cuida da casa’… Temos de normalizar que os homens demonstrem seus sentimentos e estimular que as mulheres sejam independentes. Esse pode ser o começo de um processo para mudar as tristes estatísticas do país em que vivemos”.