Para Gabriel Fernandes, a Arquitetura é mais do que um talento para construir e decorar casas. É uma forma de expressar sua personalidade única através de diversas plataformas artísticas. Aos 29 anos, ele reconhece que seus objetivos e desejos estão mais voltados para entender e valorizar as relações pessoais envolvidas no seu trabalho do que para a sua própria realização profissional.
Em entrevista à Studiobox, ele conta um pouco da sua história, fala sobre esse novo momento e explica seu projeto de pesquisa “Brasis Que Vi”.
Como o ambiente onde você cresceu contribuiu para quem você é hoje?
Eu fui uma criança que cresceu dentro do ateliê da minha mãe, vendo ela fazer coisas com as mãos. Ela sempre foi artesã, trabalhando com costura, pintura, bordados… E isso me fez uma criança mais sensível.
Os meus brinquedos na infância não eram os brinquedos comuns que as crianças tinham normalmente. Os meus brinquedos eram uma caixa de lápis de cor e um caderno com um monte de desenhos para colorir. E estudar, eu sempre adorei estudar.
Alguma memória dessa época leva ao seu interesse pela Arquitetura?
Ainda na infância, eu tive alguns contatos breves com pessoas que realmente formaram o meu repertório, que estiveram sempre ali, dentro da minha caixinha de lembranças. Além da minha mãe, eu tive contato com uma artista maravilhosa, a Sandra Vaiano, quando eu tinha 10 anos de idade. Foi ela que me apresentou o que era arte de verdade, que me mostrou um livro de arte, explicou o que era uma grande pintura, me ensinou o que era uma aquarela, me falou sobre a profissão de um arquiteto, porque ela também era arquiteta.
Esse foi um momento da minha vida e um recorte da minha infância que eu lembro que me inspirou demais. Inclusive a Sandra é uma das artistas que compõem as obras de arte que ficaram expostas no meu ambiente na CASACOR esse ano.
Quando percebeu que a arquitetura seria a sua escolha profissional?
Na adolescência, fiquei muito em dúvida sobre o que fazer. Sempre tive muita vontade de estudar Moda, sempre foi uma opção para mim. Eu sabia que eu seria estilista ou teria alguma profissão relacionada à decoração. Eu cogitei Design de Interiores e Moda e, ainda no Ensino Médio, passei em um curso de Tecnólogo de Moda e comecei a estudar para o vestibular.
Eu sempre fui uma pessoa muito realista e muito realizadora, com uma visão muito à frente. Então, eu já sabia que não teria uma oportunidade feita por ninguém, eu mesmo teria que fazer. Minha família é de origem muito simples. Nunca nos faltou nada, eu sempre tive um lugar privilegiado, mas esse lugar não me fazia uma pessoa inserida em grandes mercados ou com grandes possibilidades. Viajar para fora, viver o mundo fora do litoral, não era uma hipótese pra mim. Não passava nem pela minha cabeça, porque eu não convivia com pessoas que tinham essa vontade, intenção e condição.
Eu tinha que trabalhar durante o dia para bancar os meus estudos à noite. E eu sabia que eu precisaria decidir seguir um caminho que realmente fosse promissor. E eu, dentro dessa minha realidade, comecei a perceber antes de ter que escolher a faculdade, que com Arquitetura e Decoração eu teria possibilidade de fazer isso melhor. Foi quando eu acabei optando pela Arquitetura, por querer me tornar um profissional mais completo, ter uma habilitação melhor de atuação no mercado. Ingressei no curso de arquitetura mesmo não sendo algo que eu me identificava. Eu não me via arquiteto, mas eu estudei dentro da minha possibilidade, me dedicando, me entregando o máximo que eu pude, porque era muito corrido para mim, que já estava inserido no mercado.
No segundo ano da faculdade, eu já estava trabalhando. Fiz a minha primeira mostra de decoração em 2013, minha primeira Santos Arquidecor.
Qual a sua maior motivação profissional?
Eu sempre tive muito foco na minha carreira e no resultado da minha carreira em si, sempre fui muito focado e dedicado. Meu objetivo era fazer meu trabalho crescer para que ele alcançasse novos lugares, com um novo olhar, uma história diferente do que se fazia na nossa região. Agora estou em um outro momento, no qual eu percebi que sou somente uma ferramenta para realizar sonhos, para fazer casas para as pessoas.
Eu entendo que o meu processo é um dos trabalhos mais íntimos que podem existir na face da Terra: entrar na casa de uma pessoa e determinar exatamente como ela vai viver, como vai lidar com o dia a dia e com as coisas que cercam os afazeres dela nessa rotina. Então, me entendo como uma ferramenta, não só de fazer mas também de responsabilidade com o que eu faço, com o que coloco, com as cadeias que alimento dentro desse processo.
Eu tenho um trabalho de pesquisa chamado “Brasis Que Vi”, no qual eu viajo o Brasil tentando entender a relação que o nosso povo construiu com as suas próprias casas e de que maneiras ele construiu essas casas, tanto do repertório estético quanto do repertório emocional que carrega tudo isso. Esse projeto tem humanizado cada vez mais o meu processo e a minha relação com as pessoas. Eu tenho procurado cada vez mais entender a cadeia, me entender dentro dessa cadeia e o que eu vou alcançar em si. O “alcançar” hoje tem sido muito mais imaterial do que material. Entendi que a minha maneira de fazer sempre vai levar a um resultado estético, por mais que agrade um ou outro, mais ou menos, o resultado estético é intrínseco em mim. Está no jeito como eu me visto e me porto, na forma como eu idealizo, penso e vejo as coisas.
Mas a principal intenção por trás do meu trabalho é entender de que maneira conseguimos construir isso em conjunto e o que fica desse processo para nós, mais do que o resultado estético. O que eu consigo fazer de diferente, de que maneira eu consigo fazer a diferença para as pessoas que cercam o processo e que são beneficiadas por ele. Isso está muito claro para mim como missão de vida, muito bem resolvido.
Qual é o seu estilo? Por que o escolheu?
Eu não tenho um estilo arquitetônico, eu tenho escolas que eu admiro muito, como o modernismo brasileiro. É um movimento arquitetônico sobre o qual eu tenho me interessado cada vez mais. Tenho pesquisado muito sobre o mobiliário produzido nessa época e me identificado com a relação estética dele, isso tem me chamado muito a atenção.
Mas eu não consigo encaixar o meu estilo de trabalho em um único estilo. Esse é um dos motivos pelos quais eu fui pesquisar o “Brasis Que Vi”. Eu não conseguia me encaixar em nenhum estilo, porque acho que o trabalho que eu desenvolvo é único, com uma curadoria muito particular e um olhar um pouco eclético demais. Mas isso é um pouco do que vivenciamos no Brasil, não é? Por isso eu me defino tanto como brasileiro. Se eu tivesse que definir o meu estilo, eu chamaria de Brasileiro.
Eu não tenho grandes amarras, não tenho problema em ceder, em me reinventar, em ouvir uma nova história e contá-la através de um novo projeto, uma nova Arquitetura. É o que me motiva, inclusive: fazer diferente, um novo estilo, uma nova história, uma nova proposta. Existem coisas que eu não gosto, isso é muito forte. Quando o cliente chega com uma vertente que eu não consigo abordar, eu já passo o contato de um colega, não insisto.
Mas se a pessoa tem vontade de contar uma história, de ter uma casa realmente viva, que reflita exatamente tudo que tem dentro dela… Essa é a casa que eu estou realmente apto a participar e quero fazer. Não me agrada fazer casa para os outros mostrarem, eu quero fazer casa para as pessoas viverem.
E como é esse processo?
Existe uma diferença muito grande quando você faz para o ego e quando você faz para si. Meu processo e minha busca são extremamente experimentais, e eu sempre digo isso para os meus clientes, porque não existe uma fórmula. Eu não vou apresentar uma imagem 3D e seguir ela do início ao fim, esse não é o meu processo. Isso não fala sobre mim e sobre a pessoa que eu sou. Eu amadureço todos os dias, desde o momento em que eu me arrumo e saio da minha casa para a vida, para atender um cliente, eu já estou ali diferente do que eu fui ontem e pensando de uma maneira diferente. E vamos amadurecendo em conjunto.
Então, existe essa questão de experimentar dentro do processo que é muito minha, e eu acho confortável trabalhar dessa maneira. Até porque o cliente também se sente confortável e participa. E quando ele participa é mais íntimo, é dele, e acho que esse é o grande diferencial do meu trabalho, que desmistifica esse processo.
É poder mostrar para o cliente que independentemente do que esteja na moda, a gente está ali para chegar em um resultado que fala sobre ele e que realmente transborda a alma dele. Isso é muito mais do que o ego, do que fazer uma casa bonita para mostrar para os amigos ou trazer uma classe de status dentro da casa em si. Eu jamais conseguiria pensar uma casa dessa maneira. É pelo que tem a proporcionar e não pelo que tem a mostrar.
Quais itens marcantes você insere nos seus projetos para colocar sua assinatura? Quais características você acredita que sejam a sua “marca”?
Tem muito dessa minha curadoria pelo Brasil. Viajar por todos esses estados brasileiros descobrindo novos artesãos, novas pessoas, novas comunidades com trabalhos artesanais lindíssimos, comunidades com produção de móveis contemporâneos… Tudo isso vai criando um repertório dentro da cabeça da gente. Quando começo a fazer um projeto lembro daquela pessoa ou lugar, trago um elemento de um outro lugar que me tocou e que tem a ver com a trajetória daquela família.
Por isso digo que o grande diferencial do meu trabalho está muito relacionado com a curadoria diversa e extremamente eclética que eu consigo fazer misturando diversos lugares do Brasil, trazendo diversas influências e linguagens. Essa coisa da arte como uma plataforma e ela poder ser expressa de diversas maneiras é uma das coisas que mais me encanta dentro do universo artístico. Uma hora é a arquitetura, outra é a música, você monta uma cena, prepara uma luz, diminui a intensidade da luz para um jantar, põe um som que você sabe que a pessoa vai gostar, põe a mesa de um jeito diferente e tudo aquilo faz uma composição que é única porque você teve o cuidado da curadoria para poder chegar naquele resultado. Você usa diversas plataformas artísticas para compor essa cena, que na verdade é algo comum do nosso que não valorizamos. É aí que estão os pequenos detalhes, onde mora a beleza do dia a dia da vida da gente.
Eu me sinto uma pessoa muito sensível para olhar além daquilo que todo mundo está vendo. Eu não consigo caber dentro de uma única loja, resolver tudo em único lugar. Eu gosto de cavucar, de ir atrás… São essas coisas que eu coloco dentro do projeto e no resultado final penso “puxa, ninguém mais poderia ter feito isso”. É isso que eu sinto quando eu finalizo um trabalho. E não porque eu acho que o meu trabalho é muito diferente das outras pessoas, mas porque eu me sinto realmente aberto e pronto para esse processo, uma pessoa sensível a esse processo. Eu acho que eu não poderia ter vindo nessa vida para fazer outra coisa.
Eu sou virginiano, então essa busca pela perfeição, pelos detalhes, é incansável dentro de mim. Estou sempre exercitando isso dentro de mim, de realmente chegar o mais próximo possível do que eu identifico e entendo que o meu cliente precisa.
Como é a relação com a sua família?
Minha relação com a minha família é maravilhosa. Eles super me apoiam, sempre apoiaram, na verdade. Desde a escolha do curso de Moda à Arquitetura, meus pais são meus fãs número 1. Estão sempre me seguindo, me aclamando, curtindo comigo cada conquista. Eles participam de absolutamente tudo, é maravilhoso. Parte do meu repertório, do que eu sou hoje, é graças a eles, à criação que eu tive, aos valores que são muito fortes e intrínsecos em mim. Nessa relação com o meu pai e a minha mãe eu sempre tive a liberdade de ser quem eu sou, como eu sou. É uma memória muito viva em mim.
Como foi a sua trajetória até aqui na profissão?
Minha história começou de fato com o meu próprio escritório em 2013, quando eu fiz a minha primeira Santos Arquidecor, junto com a minha ex-sócia. Trabalhamos juntos durante seis, quase sete anos, foi uma construção maravilhosa de trabalho, de parceria, de troca, foi incrível. Mas, por entender que a gente tinha vontade de seguir caminhos diferentes, acabamos cada um seguindo seu rumo e tocando seu próprio escritório. Eu parti para o meu escritório atual em 2018, com outra cabeça, entendendo um pouco mais sobre os movimentos slow, slow fashion, slow design… Eu estava bem nessa pegada, querendo desacelerar, trabalhar menos e com mais qualidade, me entregar mais nos projetos.
Fiz esse exercício de montar uma equipe multidisciplinar, de entender que ninguém é bom sozinho, que para entregar um bom trabalho eu teria que ter a dedicação de uma equipe inteira bem entrosada. Hoje temos arquiteto, publicitário, designer gráfico, administrativo, arquiteto criativo, executivo, de obra… Uma equipe realmente muito multidisciplinar para conseguir entregar um trabalho dentro da minha expectativa.
Qual o maior desafio profissional que você já enfrentou e superou?
Acho que meu maior desafio profissional foi o de realmente fincar a bandeira do Gabriel Fernandes. Sobre o que o Gabriel Fernandes é, representa, quer ser e como quer ser visto. Acho que esse foi o principal desafio. Eu nunca consegui me encaixar em um estilo, em um determinado rótulo, em uma roupa… Nunca consegui encarar o padrão de uma maneira muito fácil, sempre fui diferente. Eu tentei muito, mas vi que não dava, que eu precisava de todas as minhas habilidades para me expressar, porque eu não me sentia completo fazendo isso de um único jeito ou com um jeito que era comercial demais.
Foi difícil para mim porque eu achava que não teria a aceitação das pessoas, o entendimento delas. Hoje eu olho e vejo que esse preconceito talvez estivesse mais em mim do que nelas, porque a partir do momento que eu comecei a mostrar essa linguagem, as pessoas começaram a entender que era diferente, e nada aconteceu em relação a isso. Eu não deixei de ser procurado, não deixei de trabalhar… Muito pelo contrário, as pessoas começaram a ver mais personalidade no meu trabalho, na maneira que eu me visto, no que eu entrego, e começou a acontecer um filtro natural. Hoje as pessoas que me procuram querem exatamente os símbolos que o Gabriel consegue representar. E eu gosto de ser essa coisa meio enigmática, que as pessoas têm dúvida do que vem, de como é, se é ou se não é, isso faz parte da minha personalidade. O Brasil também tem esses mistérios, e eu adoro me parecer com como o brasileiro é de fato.
Hoje, você está com um espaço na Casa Cor SP. Como o convite chegou para você? Fale um pouco sobre o ambiente e os desafios que surgiram ao longo do projeto.
A Casa Cor aconteceu de um jeito muito especial. Sempre foi um sonho para a minha carreira, eu sempre quis fazer, mas não era algo programado para esse ano, eu nem pensava. Eu tenho bons e grandes amigos que trabalham comigo, e esse cliente que sempre me apoiou, sempre quis me ver nos melhores lugares possíveis na minha carreira. E aí rolou uma movimentação para que eu fizesse a Casa Cor, até que a curadoria entrou em contato comigo e a gente marcou uma reunião, apresentei o meu portfólio a eles, mesmo não querendo fazer esse ano. O “Brasis Que Vi” me toma muito tempo, consome a minha energia e requer muita dedicação e trabalho em si. Mas eles insistiram tanto que eu fiz! Aceitei o convite, fui acolhido pelo curador de uma forma muito incrível, que me deu um espaço privilegiado na mostra, um espaço grande para um iniciante, com muita luz natural e exatamente do jeito que eu queria. Foi um momento maravilhoso, um recorte lindo de vida, que eu pude compartilhar com pessoas incríveis e profissionais maravilhosos com os quais eu adoro trabalhar.
Ao mesmo tempo, chegou o convite da Simonetto para ser minha patrocinadora. Eu trabalho com eles há muitos anos, e quiseram estar junto comigo à frente do projeto, foi maravilhoso. Com 28 anos, estar na principal mostra de Arquitetura e Design das Américas, já com um grande patrocinador, é mais do que um grande privilégio. É um lugar muito feliz para a minha carreira.
Quando a Simonetto me procurou, falei sobre a minha vontade de fazer esse ambiente pautado em encontros, que falasse sobre os encontros de vida, com as pessoas, com os lojistas, com os amigos, os designers, os visitantes… Queria que fosse um espaço em que eu me apresentasse para as pessoas. Como era a minha estreia, eu queria que tudo ali falasse sobre a minha essência e minha história, sobre o que eu acredito como verdadeiro para uma casa, mas que principalmente contasse sobre esse momento de encontro comigo mesmo e com todas essas pessoas.
Eles adoraram a ideia e aceitaram a proposta na hora. Eu queria um nome bem brasileiro, que fosse curtinho. “Somos” é uma palavra palíndroma, lendo de trás pra frente é a mesma coisa. Eu queria um espaço que falasse sobre o coletivo, sobre esse momento de me entender enquanto brasileiro, de entender o Brasil como um todo. Eu queria que o “Somos” fosse isso, um reflexo de toda essa pesquisa, então é um ambiente que fala sobre essa brasilidade sem muita intenção ou pretensão.
Eu concebi o projeto e fui colocando coisas e elementos que eu conheci, entendi e participei durante o “Brasis Que Vi” e, no fim pensei “nossa, isso é vivo, tem vida aqui dentro”. Tem pessoas, camadas de pessoas e projetos que precisam desse espaço para sobreviver. Usei esse lugar de fala, que é extremamente importante nesse mercado, para poder dar oportunidade a projetos que muitas vezes não são ouvidos. Isso é uma coisa que eu quero sempre que possível usar a favor das pessoas. É um trabalho que fala sobre pessoas, e preciso trabalhar isso de uma maneira muito respeitosa.
Você se sente realizado com o que conquistou até agora dentro da profissão? Qual o seu maior orgulho?
Me sinto uma pessoa muito realizada com o que eu conquistei na profissão. Por muitos anos eu sonhei fazer as coisas que eu estou fazendo, viver as coisas que eu estou vivendo. Eu tenho falado muito isso nesse ano. Isso é muito reconfortante, quando você chega em um momento da vida em que você realmente entende que “nossa, ela aconteceu e tem acontecido todos os dias”. Acho que estou em um momento de polimento do meu trabalho. Eu já realizei todos os meus sonhos com relação ao meu trabalho. Eu já fiz casa clássica, moderna, simples, sofisticada, de todas as formas imagináveis. Já usei os revestimentos da moda, o tecido importado e já comprei a poltrona gringa. Não tenho mais muitas expectativas com esse trabalho. Minha expectativa hoje é simplesmente fazer o outro feliz com o meu trabalho e a minha sensibilidade, isso é o que tem me transformado e me feito ver sentido neste trabalho.
Mas o que mais tem me preenchido mesmo é conseguir enxergar de um jeito muito humanizado esses processos e conseguir cada vez mais colocar as pessoas em primeiro lugar. O meu trabalho é de muito ego, e eu não tenho vergonha de falar sobre isso. Eu sempre fui uma pessoa com uma vaidade muito grande nesse trabalho, de me realizar com ele, no melhor bom sentido da vaidade. Às vezes no ruim também, não vou mentir.
A gente como ser humano a gente vem cheio de falhas, de problemas para resolver e questões mal resolvidas para entender. E a graça disso tudo é você se revisitar, se reinventar, se reolhar, se perceber e perceber o outro. Nossa, como é gostoso você perceber o outro, em todos os sentidos. O principal ensinamento que eu tenho tido na vida como amadurecimento da minha personalidade e do meu trabalho é essa questão da evolução pessoal, de entender a importância que o outro tem na minha vida e o quanto eu posso contribuir na evolução tanto do outro como da minha. Essa tem sido a principal descoberta do último ano.
Eu sempre tive medo dos 30, mas parece que os 30 tem me trazido uma clareza de intenção de vida que eu nunca tive. Parece que hoje eu visto uma roupa na qual eu me sinto completo como eu nunca estive antes. Como se antes eu estivesse provando roupas e mesmo quando eu achava que acertava o look não era aquele. Estou bem feliz com esses ensinamentos, que nem são tanto mais sobre o trabalho. As relações pessoais estão muito mais fortes nesse momento do que as realizações da vaidade que o meu trabalho me traz.
O que mais te surpreendeu nesse caminho?
A velocidade das coisas, tudo aconteceu muito rápido. Estamos falando de 10 anos de trabalho, com toda essa efervescência de conquistas e resultados que eu imaginava para uma vida muito longa. Muitas vezes, esse é o período em que as coisas começam a acontecer para quem está com 30 anos, em um começo de carreira. Eu olho para tudo que fiz e penso “não é possível que eu já fiz tudo isso”. Eu me reconheço e vejo o grau de importância que tem a minha presença aqui e na vida de tanta gente. E isso, às vezes, também me dá medo. Porque eu sei o quanto de expectativa que as pessoas colocam em mim e o quanto que eu tenho atendê-las.
Tem algum sonho ou plano que ainda deseja realizar?
Estou em um momento em que eu estou reconsiderando alguns sonhos e replanejando a minha vida. Não sei se isso é normal para quem está próximo dos 30, mas as coisas já não são mais como eram antes, eu já não penso como eu pensava antes, meu objetivos mudaram. E eu estou nesse momento de entender quais são os objetivos e quais serão os próximos passos. Mas com certeza ele fala mais sobre pessoas do que sobre carreira.
Você está escrevendo um livro, certo? O que pode nos contar sobre ele?
O “Brasis Que Vi” vai ser lançado no próximo ano. É um livro inspiracional fotográfico sobre casas brasileiras e as diferentes formas de se morar pelo Brasil. A gente viaja pelo país, eu, minha equipe de pesquisa e o Marcelo Oséas, que é um fotógrafo de cultura brasileira e faz os cliques do projeto. A gente vai documentando tudo para que entre no livro. Não formatamos o projeto por completo, estamos ainda concebendo a ideia, então não tenho como dar muitos spoilers. O “Brasis Que Vi” começou como um projeto específico e foi se desdobrando e alcançando novos lugares e novas linguagens. Então vai ser uma surpresa, até para nós mesmos.
Como você enxerga a arquitetura no Brasil atualmente? Quais as tendências que você enxerga nesse mercado para os próximos anos?
Para falar sobre Arquitetura no Brasil atualmente, precisamos falar sobre dois recortes. A arquitetura popular, que é feita com técnicas ancestrais por gente que teve acesso a encontros que ensinaram e passaram técnicas antigas para construir. Temos muito disso no nosso recorte de Norte e Nordeste. A gente pode falar também sobre o recorte da Arquitetura acadêmica, que é produzida pelos escritórios, por nós que estamos todo dia fazendo isso. E aí acho que existe um movimento de fazer muito daquilo que já foi feito. Acho difícil que surja agora um novo movimento arquitetônico. Pode até ser que surja, mas eu não vejo a qualidade de pensamento que existia antes, até o pós-modernismo, no que está sendo produzido hoje.
Mas é porque tudo que foi feito antes tem uma certa genialidade difícil de ser tocada. Acho que precisamos de um debruçar de estudos muito grande em cima do que já foi feito e do que está sendo feito agora para conseguir estabelecer novas conexões do que seria uma boa produção arquitetônica.
Eu tenho lido muito sobre o futuro ancestral, e acho que o futuro é sim um pouco ancestral. Não dá para dizer que ele vai ser extremamente retrógrado, mas é preciso voltar e entender como é que foi feito tudo isso para que a gente possa ir adiante com mais sabedoria, mais inteligência e mais técnica, sem que a gente esteja dando passos em falso. É assim que eu me sinto às vezes. Eu me sinto em uma sociedade criativa que muitas vezes não sabe onde está pisando, e a gente precisa ter essa consciência de tudo o que nós somos, tudo que nós fomos para que a gente possa ser o que seremos.