Ineditismo. Essa é a definição para os nove anos em que o Papa Francisco está à frente da Igreja Católica. É o primeiro latino-americano, jesuíta e de seu nome. Além disso, é defensor do meio ambiente, foi responsável por indicar mulheres para o comitê de nomeação de bispos pela primeira vez e declarou por vezes sobre a importância de acolher homossexuais, divorciados e demais grupos antes condenados pelo catolicismo. Afinal, a doutrina está avançando ou “o Papa quer ser pop”?
“Se o Papa quisesse ser pop, teríamos que dizer isso desde quando se tornou sacerdote, em 1969, com 33 anos. O pontífice tem uma espiritualidade muito importante e relevante, que precisa ser pensada. E é claro que tem uma relação direta com a sua mensagem. O Papa é uma pessoa que entende que o poder da mensagem é o poder da aproximação. Ele é jusuíta e jesuítas sempre souberam elaborar um discurso de unidade em meio a diversidade”, pontuou Andrei Venturini Martins, doutor em Filosofia pela PUC-SP e pela Université de Caen Basse-Normandie (França), com mestrado em Ciências da Religião pela PUC-SP e graduação em Filosofia pela Unifai.
De acordo com o filósofo, o pontífice faz com que as pessoas lembrem que a principal mensagem de Deus é a de misericórdia. “A verdadeira experiência da fé se mostra quando o fiel se depara com a graça e percepção de Deus com a liberdade humana. Isso parece algo contraditório, mas essa aproximação nos faz lembrar da misericórdia”, explicou.
Venturini contou que, quando sacerdote, o Papa Francisco se aproximou de pessoas mais pobres, em um conceito chamado Teologia do Povo. Na época, os militares tomaram o poder na Argentina e o clero se dividiu. Uma parte ficou com os militares e a elite e a outra, aderiu a movimentos mais revolucionários. O cenário era de guerra e os cristãos se dividiram.
“Ele percebeu que quando fazemos um discurso de alteridade, produzimos sisões. Na Teologia do Povo, é possível enxergar os desafios que a própria existência concreta nos impõe. Desde a Argentina, Francisco é uma voz que ressoa da periferia e ao lado daqueles que são colocados de lado”, esclareceu.
Acolhimento aos homossexuais
Em fevereiro de 2022, durante uma audiência no Vaticano, o Papa pediu para que os pais acolhessem filhos homossexuais, ao citar as dificuldades enfrentadas na criação. Apesar do comentário, a Igreja Católica ainda se posiciona contra a bênção a casais do mesmo gênero, o que é considerada uma vitória para conservadores.
“Com a mensagem de apoio ao público LGBTQIAP+, o que o Papa disse? Que a Igreja Católica precisa estar ao lado de quem foi deixado à margem. Ele enfatiza que o papel de Jesus de Nazaré é de ternura e acolhimento e mostra que a igreja não pode fechar as portas.
A fé
Religião tem a ver com escolha. Segundo Venturini, há um afastamento dos jovens das doutrinas por muitas razões, mas especialmente pelo advento da tecnologia e dinâmica de mercado. Também podem vir de famílias que não tinham uma vida voltada à crença.
“O afastamento cria duas possibilidades: espiritualidade de gaveta, em que a pessoa se afasta da institucionalização da, mas monta um credo para si, a partir do próprio narcismo, em que pega o que acha mais conveniente e monta uma espiritualidade; pessoas indiferentes, que realmente não aplicam e não se interessam”, esclareceu.
Venturini define a conversão como uma mudança de direção. Com a “customização da fé”, pode-se dizer que há uma busca por viver apenas com a positividade da religião. “Religião aponta limites, mas isso não quer dizer que as instituições religiosas não podem mudar. Então, às vezes, há uma confusão com marketing, mercado e relação com a família envolvendo a espiritualidade, e cai numa espécie de vazio. O papel que o Papa Francisco tem desempenhado é importante, porque sua fala tem o poder de aproximação e consegue tocar o coração dos jovens”, concluiu.