Filmes e séries que retratam o autista como superdotado podem transmitir mensagem errada e prejudicar a causa

A typical, The Good Doctor (OBom Doutor), Uma Advogada Extraordinária. O que estas três produções da TV e dos streamings têm em comum, você já reparou? Todos os protagonistas se enquadram no Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Em Atypical, conhecemos um rapaz de dezoito anos diagnosticado com TEA ainda na infância, entre seus múltiplos desafios de adolescência, fim do Ensino Médio e entrada na universidade. Período que já é conturbado para qualquer um, para o jovem Sam Gardner soma-se ainda a maneira
particular de ver e viver o mundo.

Já em The Good Doctor e Uma Advogada Extraordinária, o mercado de trabalho é o pano de fundo para os acontecimentos da narrativa. Nas suas respectivas histórias, o médico Shaun Murphy e a advogada Woo Young Woo são retratados como mesmo perfil: superdotados,com inteligência acima da média, memória excepcional e habilidade para solucionar qualquer problema. Objetivos e com poucas interações afetivas, destacam-se no campo profissional pela peculiar capacidade lógica.

Mas será que esse estereótipo é verdade? E será que é bom romantizar a imagem do autista? Para a psicóloga especializada no assunto e mãe de um jovem dentro do TEA, a resposta é clara: de jeito algum. “Primeiro porque cada pessoa é completamente diferente. Assim como nós, que não fazemos parte do TEA, somos extremamente diferentes uns dos outros, Weles também são. Claro que existem alguns comportamentos comuns, mas isso não quer dizer que todos ajam assim. Apenas significa que o aulista precisa de rotina. Eles não compreendem — portanto não apreciam — as variáveis. Se você diz a um autista que sábado é dia de passeio”, ele fixa a informação e ponto final. Sábado é dia de passeio. Caso chova ou você tenha um imprevisto, ele sofre, por não conseguir entender o que mudou para que o passeio não ocorra”, explica a psicóloga e professora universitária santista, Sandra Lia.

Características

Com mais de 300 mil diagnósticos somente no Estado de São Paulo, o TEA é uma esfera ampla, de pessoas com maior ou menor capacidade de comunicação e interação, mas que contêm alguns aspectos em comum: comprometimento nas funções executivas do cérebro. Por exemplo, organização, planejamento, atenção e inibição de respostas inadequadas (o famoso sincero ao extremo).

“Essas semelhanças entre eles que produzem os traços como movimentos repetitivos, necessidade de segurança e estabilidade, distração. Muitas vezes, nós não entendemos como funciona a lógica deles, mas ela existe, porém é muito particular. Está aí a necessidade de perguntar e ouvir, com carinho e paciência. No mercado de trabalho, esse tempo dedicado com exclusividade é mais difícil. Por isso, a principal dificuldade não é necessariamente ensinar a eles uma tarefa. E sim preparar toda a
equipe ao redor para conviver”.

Embora tenham direito a vagas nas cotas de Pessoa Com Deficiência (PCD), Sandra Lia discorda dos processos seletivos comuns. “Precisamos parar de colocar deficientes intelectuais, como os diagnosticados com TEA e Síndrome de Down, disputando pouquíssimas vagas com deficientes físicos. Os deficientes físicos, com exceção da questão da acessibilidade — que já deveria ser de praxe em qualquer empresa — não requerem mais nenhuma adaptação da empresa. Possuem capacidade lógica plena, tanto quanto a de qualquer pessoa sem deficiência, e não necessitam atenção especial. O perigo da romantização do autista nas séries e filmes é que o mercado de
trabalho passa a esperar profissionais excepcionais, acima da média, com
soluções inusitadas. E não é bem assim”.

Quanto ao afeto, Sandra Lia explica que a capacidade existe, apesar da
particularidade para demonstrá-la. “Se você está assistindo a um filme
na televisão e ele está ao seu lado jogando no celular, não se frustre
pela “falta de companhia”. Do jeito dele, ele entende que está com você.
Claro que existem casos mais graves, inclusive de pacientes não-verbais.
Mas, em geral, amar um autista é ser paciente, empático e tentar ver o
mundo pelos olhos dele”.