Na estreia da primeira temporada do programa Studiobox na TV Santa Cecília, o espaço foi reservado para conversar sobre o tal do “lugar de fala”, que muito é citado em discussões sobre pautas de minorias sociais.
O apresentador Maycow Montemor, ao lado de Renata Arraes, advogada e Procuradora Geral do Município de Santos, e Débora Camilo, Vereadora de Santos, eleita pelo PSOL, conversa sobre um tema importante e extremamente construtivo.
“[…] Se a primeira mulher que Deus criou foi suficientemente forte para, sozinha, virar o mundo de cabeça para baixo, então todas as mulheres, juntas, conseguirão mudar a situação e pôr novamente o mundo de cabeça para cima! E agora elas estão pedindo para fazer isto. É melhor que os homens não se metam”, inicia o apresentador citando Isabella Baumfree, também conhecida como Sojourner Truth, uma importante mulher negra feminista, abolicionista e defensora dos direitos das mulheres, em 1851.
No episódio de estreia, Maycow e suas convidadas discutem sobre o termo “lugar de fala”, e como a distorção deste conceito acadêmico, agora popularizado, tem sido usado como argumento raso para desenvolver argumentos convenientes para suas convicções, muitas vezes, machistas.
“A sociedade anda confundindo muito lugar de fala e representatividade”, comenta o apresentador. “Essa confusão acaba fazendo com que muitas pessoas utilizem o lugar de fala como forma de calar o outro; de calar o divergente; quando na verdade, lugar de fala é muito mais que isso”.
Lugar de fala, segundo a origem na Escola Francesa de Filosofia, é na verdade uma espécie de trajetória do indivíduo, e sendo assim, todos tem seu lugar de fala. Agrade ou não. O lugar de fala explica quem é que está falando, e de onde essa opinião parte.
Esse conceito é bem explorado nas obras da Djamila Ribeiro, filósofa, feminista negra, escritora e acadêmica brasileira. Em seu livro “O que é lugar de fala?”, de 2017, ela disseca o tema e suas ramificações atuais.
Uma das propostas deste novo programa é justamente debater assuntos como este que, apesar de sérios, estão sendo discutidos de forma muito rasa.
Débora Camilo foi aluna do Eduafro, um cursinho pré vestibular comunitário que tem como objetivo colocar pessoas pobres e negras na universidade. Hoje, ela é voluntária: “Acredito que é um projeto que para além de dar oportunidades, ele salva vidas bem isso. Eu sou coordenadora e professora desse projeto. Pode parecer estranho a gente trabalha para o Educafro não exista mais”, diz a vereadora de Santos.
Quando o assunto é a pauta feminista, Débora fala: “O momento que a gente conseguir essa igualdade na sociedade, a gente não vai precisar de um projeto que inclua as pessoas que de alguma forma são excluídas da sociedade.”
Já Renata Arraes discorre sobre lugar de fala: “Eu tenho a oportunidade de falar então muitas vezes eu não tenho lugar de fala pra falar com propriedade e legitimidade sobre determinados assuntos”. Ela explica que o lugar de fala está mais relacionado à legitimidade. “Eu tenho a oportunidade de falar e isso é muito importante pelo caráter da representatividade. Quando você tem a oportunidade de falar, você leva ao conhecimento público a palavra de pessoas que não têm essa oportunidade”.
Maycow pontua a importância de reconhecer que todos nós temos diferenças, viemos de diferentes lugares, e que nós podemos sim chegar ao mesmo lugar, desde que nós tenhamos o auxílio devido.
A filósofa exemplifica a questão do lugar de fala. Quando o Maycow se coloca como homem branco e Renata como mulher branca, em nenhum momento eles são proibidos de falar algo; só precisam entender seu lugar e não querer tirar o protagonismo da luta. Mas é muito importante que eles falem, sim, sobre o assunto, sem tabus, pensando sempre em suas marcas sociais e, portanto, seu ‘lugar de fala’.
Outro ponto tocado durante o programa foi o assédio contra mulheres. Débora pontua que esses espaços não foram pensados para mulheres. Então por mais difícil que seja elas precisam romper a bolha e ocupar o espaço.
E então Débora e Renata, já foram assediadas? “Uma mulher que diz nunca ter sofrido assédio ou machismo não percebe porque isso é praticamente diário”, diz Débora. “É difícil passar por qualquer ambiente sem que se perceba olhares ou literalmente sofra um machismo estrutural”.
Renata aponta a tênue linha entre o assédio e um ‘galantismo‘: “Às vezes você não percebeu ou você não sentiu. Você não quis ver, você fingiu que não viu”. A procuradora diz ser conhecida por falar tudo que pensa, mas já enfrentou situações em que ela não conseguiu falar.
Renata diz que teme ser vista como mal educada ou mal interpretada. “Você sabe que até mesmo reconhecer uma situação de assédio fere tanto quanto o assédio?”, indaga Maycow. “Talvez por isso que tantas vezes seja mais fácil ou não de reconhecer.”.
Débora discorre: “Às vezes a gente ouve relatos de mulheres que sofreram violência que sofreram estupro e que deixam de procurar ajuda procurar seus direitos porque elas fazem uma avaliação de que de alguma forma elas foram culpadas por aquilo. Na verdade não você sofre violência você é vítima. E a preocupação dessa pessoa de chegar até o local é a depender do que acontecer de que forma ela vai ser tratada o que é que as pessoas vão pensar dela”.
Sobre a fala de Janaína Paschoal, jurista e Deputada Estadual de São Paulo, que diz que as lutas femininas diminuem as mulheres, as convidadas expõem sua opinião.
Débora reflete: “O feminismo quando nós dissemos que nós somos feministas não é uma disputa. Ou o feminismo não é igual ao machismo. A gente combate algo que nos mata diariamente o feminismo vem justamente para mostrar que nós mulheres temos direitos que nós devemos ser respeitados e que o machismo precisa ser combatido porque ele nos mata”.
Já Renata aponta outro ponto importante: a banalização das militâncias, como o feminismo. “O feminismo não busca uma superioridade feminina mas uma igualdade de direitos. A mulher ela busca o seu lugar no mundo em pé de igualdade com os seres humanos que somos”, diz a procuradora geral.
O machismo, e portanto o patriarcado, é algo estrutural na sociedade. A palavra “estrutural” também vêm sido usada sem o entendimento do seu significado. Maycow explica: “Algo estrutural é algo que está intrínseco, que está dentro, que já se tornou normal na nossa sociedade. Como é o machismo. Ele é algo que sempre foi normalizado na nossa sociedade”.
O caminho para o fim do machismo ainda tem muito chão. As lutas feministas de hoje só puderam ser discutidas graças suas antecessoras. Não é fácil, mas é uma luta constante, e que deve ser passada para as próximas gerações.
“Todos precisam ter voz. Todos precisam reconhecer os seus privilégios, o seu lugar de fala e, principalmente, estudar um pouquinho a gente antes de falar”, pontua Maycow.
“Quando a Simone de Beauvoir diz que ninguém nasce mulher torna se a filósofa fala muito mais do que apenas do amadurecimento. Ela fala da construção social e não acho que você NÃO está fora dessa revolução feminista porque a gente está vivendo nesses tempos. Porque quando você ensina sua filha que ela deve estudar trabalhar ser independente você faz parte dessa desconstrução”, finaliza o apresentador Maycow.
O Programa Studiobox com Maycow Montemor vai ao ar todo domingo ao meio dia na Santa Cecília TV.
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