Em A voz no divã, uma leitura psicanalítica sobre ópera, música sacra e eletrônica, o autor e psicanalista Jean-Michel Vives desenvolve sua tese sobre a voz enquanto objeto primordial do sujeito, antes mesmo do seio materno – como a psicanálise tem defendido até agora. Com coerência clínica e clareza conceitual, Vives analisa os três tipos musicais, de forma audaciosa. Entrelaça esse universo às questões psicanalíticas para demonstrar como os temas desenvolvidos despertam afetos específicos no ouvinte, do mais puro prazer ao horror desmedido.
Publicado em parceria pelas Editoras Aller e 106, o livro busca entender como os sons que tocam, envolvem e ressoam no corpo do sujeito permitem que se produza paisagens e presenças. Vives afirma ainda a necessidade do ponto surdo para que o sujeito possa fazer-se voz.
Com a música sacra, o professor de psicopatologia clínica na Universidade Côte d’Azur (Nice – France) demonstra, usando a figura dos castrati, o quanto uma voz pode ser instrumento daquilo que alcança o além da imposição da Lei. E o quanto isso, para o ouvinte, pode ser extremamente prazeroso.
Já em um segundo momento, Vives destrincha várias óperas e o papel que a diva ocupa em cada uma. Ao mesmo tempo em que analisa o que há de tão encantador nessa voz que alcança notas sublimes, questiona por que a falha da protagonista é tão odiosa para os ouvintes. Nesse ponto, também retoma o grito das sereias, enquanto sedutor e mortífero.
Ao tratar dos tempos contemporâneos para falar da música eletrônica, por sua vez, o autor constrói a teoria de que o DJ ocupa o lugar do pai da horda, mas dessa vez, disposto a compartilhar algo de seu gozo. É nisso que se baseia a rave: na possibilidade do gozo compartilhado, no qual a lei é suspensa.
Jean-Michel Vives dedica a última parte do livro à importância da voz como principal vetor de trabalho do psicanalista, enfatiza o caráter único e indizível do timbre de voz de cada sujeito e como esse pode apropriar-se dele pelo processo analítico.
“A voz no divã” nos leva a refletir desde duas perspectivas: a primeira abre para a grande erudição de um profissional versado no que a literatura psicanalítica escreveu sobre tal questão. A segunda, para um grande conhecimento do mundo da música. Esta é a junção que deu a Jean-Michel Vives a possibilidade de propor uma visão teórica totalmente nova, em particular a respeito das razões que fundamentam o surgimento do que nomeamos voz.
Sobre o autor: Jean-Michel Vives é psicanalista e professor de psicopatologia clínica na Universidade Côte d’Azur (Nice – France). É membro do movimento Insistance em Paris e do Corpo Freudiano – RJ (Brasil). Pesquisa sobre a dimensão pulsional da voz e a gestão social do gozo a ela associado. Aborda a questão a partir das práticas artísticas (ópera, música tecno), religiosas (música sacra, misticismo), terapêuticas (dispositivos terapêuticos que implicam o uso da música e da voz) e psicopatológicas (alucinações auditivas, relação com a voz no sujeito autista). Interessa-se pela teorização dos desafios psicológicos da prática teatral. Ministra, regularmente, cursos e conferências em universidades de Nova Iorque, Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Toronto.
Foi também colaborador artístico de Jacques Nichet no Centro Dramático Nacional de Montpellier e no Teatro Nacional de Toulouse, no qual dirigiu, de 2002 a 2005, o Atelier Voador do Centro de Formação e Pesquisa sobre Teatro Musical. Participou, como dramaturgo, de inúmeras encenações teatrais e óperas. Seus artigos foram publicados em várias línguas. No Brasil, além de A voz no divã, Jean-Michel Vives publicou os livros A voz na clínica psicanalítica (Contracapa, 2012) e Variações psicanalíticas sobre a voz e a pulsão invocante (Contracapa, 2018).