O conhecido artista urbano Eduardo Kobra homenageia Pelé em mural em Santos, no litoral sul do estado de São Paulo. “Coração Santista”, com 800 metros quadrados, foi finalizado no domingo, 18 de outubro, e liberado para o público. A obra está situada em uma parede de 800 metros quadrados, na ponta da praia, região que está sendo revitalizada. Está na fachada do CAT (Centro de Atividades Turísticas), em frente ao Mercado de Peixe (Pça Gago Coutinho s/n – Ponta da praia), recentemente inaugurado.
No mural, há quatro cenas, todas situadas dentro dos arcos (ou círculos) das muretas de Santos, um dos mais conhecidos símbolos da cidade: Pelé, o Bonde, a Bolsa do Café e Um estivador no Porto de Santos.
Veja a seguir, detalhes sobre cada uma das cenas:
Pelé: “Fiz inspirado na imagem de Pelé jogando pela Seleção Brasileira, com o suor escorrendo pela camisa e formando um coração em seu peito, cena captada pelo fotógrafo Luiz Paulo Machado, quando trabalhava na revista Placar. O mérito é do fotógrafo. Procurei respeitar esse instante mágico e mantive até o efeito da luz nas mãos da foto original. Mas, claro, coloquei as cores e também muito preto e branco, dentro das características do meu trabalho. Parece que Pelé está projetado para fora do mural, como um 3D! Também imaginei que o suor tivesse formado a palavra ‘Santos’, como referência ao amor dele pela cidade e pelo clube”, revela o artista.
Porto de Santos: um estivador acompanha o processo de retirada de um contêiner de um navio. É uma cena com muita cor, com o estivador em primeiro plano, o que mostra a importância, a força e a beleza do trabalho feito cotidianamente em Santos. “É uma homenagem às pessoas que trabalham e constroem as cidades. Não apenas em Santos, mas no Brasil e no mundo inteiro”, afirma.
Bonde da Cidade – Kobra mostra um bonde, um dos símbolos da cidade, alguns ativos até hoje para turismo. Na imagem, vemos um condutor e o próprio bonde com reflexo na calçada icônica de Santos. “Essa cena tem uma conexão com meu trabalho e as memórias que tenho de arquiteturas, paisagens e personagens”, conta o muralista. O personagem que aparece na obra é o condutor Welcio Francilino da Costa, 45 (mesma idade de Kobra), nascido em Londrina, Paraná, e ainda servidor da CET Santos. Hoje, o condutor vende os tickets para o passeio de bonde em uma bilheteria situada dentro do Museu Pelé. No último sábado, ao saber que Kobra começava a retirar as telas e andaimes para finalizar a obra, Welcio, que vive há 25 e dez meses em Santos (25 anos e nove meses na CET, seu único emprego na cidade) foi até o mural e ficou emocionado e admirado com todo o trabalho. “Foi baseada em uma foto de cerca de 17 anos atrás. Não imaginava que seria tão monumental. É uma homenagem para mim, claro, mas também à cidade que me acolheu e que amo. Foi aqui que conheci minha esposa, Cláudia Helena Jorge, e que tive meu filho (Jonnathan). Enfim, foi a cidade onde formei minha família. Santos mora no meu coração. Adorei ver todas as cenas colocadas por você, especialmente o bonde. Sou apaixonado pelos bondes! Ninguém pode falar mal deles perto de mim; são meu xodó”, disse para Kobra.
A Bolsa do Café – O artista mostra a magnífica porta principal desse prédio também icônico em Santos. “Em minha pesquisa, avaliei e estudei imagens de centenas de prédios da cidade. A Bolsa do Café é sensacional, excepcional com uma quantidade incrível de detalhes. É linda por dentro e por fora. Entre os detalhes, quis valorizar a porta de entrada, as colunas principais e as esculturas que ficam no topo”, conta Kobra, que também revela uma ligação afetiva com Santos. “Nos meus primeiros anos de vida, eu ia para Santos com meus pais, porque meus avôs tinham um apartamento na cidade. Tenho lembranças vagas, mas sinto-me desde sempre ligado afetivamente à cidade. Por isso, fazer esse mural é uma honra, um privilégio e uma emoção para mim”, diz Eduardo Kobra.
Pelé é, ao lado de Ayrton Senna, a grande referência esportiva de Kobra. Fazer um mural em Santos é um sonho antigo do artista urbano. “É um gênio, considerado o maior atleta do século 20. É o maior jogador de todos os tempos, mas também um ícone pop, pintado por Andy Warhol. Tornou-se o maior símbolo de brasilidade no mundo. Em todos cerca de 35 países onde pintei, a primeira coisa que dizem quando sabem que sou brasileiro é ‘Pelé’. Muitas vezes também dizem ‘Carnaval’, mas sempre tem Pelé. Fico impressionado. Afinal, ele parou de jogar há 43 anos e segue como o brasileiro mais famoso no mundo”, diz Kobra.
Bastidores do trabalho
Kobra, junto com mais quatro pessoas de sua equipe, passou cerca de 45 dias em Santos, trabalhando com a proteção de telas para que a surpresa para Pelé e a cidade de Santos não fossem reveladas. As telas e os andaimes que utilizou para o trabalho começaram a ser retirados às 7h da manhã do último sábado, dia 17 de outubro. Por volta das 11h, Kobra e demais artistas da equipe iniciaram a finalização do trabalho: primeiro taparam os buracos provocados pelo andaime e depois Kobra retocou vários detalhes da obra. Ontem, domingo, Kobra voltou ao local para mais alguns retoques e para assinar a obra, sobre os aplausos de admiradores e curiosos. Segundo o artista, foram utilizados de 300 a 350 latas de spray. “Trabalhamos durante 45 dias, das 8h às 18h, para que o mural ficasse pronto para o aniversário de Pelé, no dia 23 de outubro”, diz Kobra, que acrescenta: “um tempo ainda maior, de 60 dias – dois meses – utilizei na pesquisa e projeto da arte. Fiz pesquisas históricas, iconográficas e, como disse, regatei memórias afetivas. Para o chegar ao resultado final, fiz mais de 30 desenhos, buscando o equilíbrio certo entre as cenas, o uso correto de cores e preto e branco e o respeito e valorização da cultura e da história de Santos”, afirma.
A obra contou com o patrocínio da BTP (Brasil Terminal Portuário) e da Comgás e com o apoio do Grupo Mendes. Teve a produção de Dila Spinola, Alexandre Spinola e Luli Hunt e a curadoria de Fábio Magalhães.
“Coração Santista” é a segunda obra do muralista na Baixada Santista. Em 2014, Kobra levou sua arte a dois imensos tanques (14 metros de altura por 17 de diâmetro), da empresa Linde Gases, na rodovia Cônego Domênico Rangoni, no trecho do sistema Anchieta-Imigrantes, que liga Cubatão ao Guarujá. Na época, contrapôs o ambiente pesado das grandes indústrias com o uso de cores alegres e desenhos de crianças, balões e cata-ventos.
Sobre Eduardo Kobra
Eduardo Kobra, 45 anos, é um expoente da neo-vanguarda paulistana. Começou como pichador, tornou-se grafiteiro e hoje se define como muralista. Seu talento brota por volta de 1987, no bairro do Campo Limpo com o pixo e o graffiti, caros ao movimento Hip Hop, e se espalha pela cidade e pelo mundo. Com os desdobramentos que a arte urbana ganhou em São Paulo, ele derivou – com o Studio Kobra, criado em 95 – para um muralismo original – inspirado em muitos artistas, especialmente os pintores mexicanos e norte-americanos, beneficiando-se das características de artista experimentador, bom desenhista e hábil pintor realista. Suas criações são ricas em detalhes, que mesclam realidade e um certo “transformismo” grafiteiro.
Muitos críticos afirmam que a característica mais marcante de Kobra é o domínio do desenho e das cores. Mas o que é mais fundamental para o artista é o olhar. Kobra foi desde cedo apresentado às adversidades da vida. Viu amigos sucumbirem às drogas e à criminalidade. Alguns foram presos. Outros tantos perderam a vida. Foi o olhar que o salvou.
Kobra é autor de projetos como “Muro das Memórias”, em que busca transformar a paisagem urbana através da arte e resgatar a memória da cidade; Greenpincel, onde mostra (ou denuncia) imagens fortes de matança de animais e destruição da natureza; e “Olhares da Paz”, onde pinta figuras icônicas que se destacaram na temática da paz e na produção artística, como Nelson Mandela, Anne Frank, Madre Teresa de Calcutá, Dalai Lama, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, John Lennon, Malala Yousafzai, Maya Plisetskaya, Salvador Dali e Frida Kahlo.
Em meio ao caos urbano, buscou resgatar o patrimônio histórico que se perdeu. Em um contexto repleto de desigualdade social e injustiças, buscou se inspirar em personagens e cenas que servem de exemplo para um mundo melhor.
Hoje, os murais de Kobra estão em cerca de 35 países e em diversas cidades e estados brasileiros – como “Etnias – Todos Somos Um”, no Rio de Janeiro, “Oscar Niemeyer”, em São Paulo; “The Times They Are A-Changin” (sobre Bob Dylan), em Minneapolis; “Let me be Myself” (sobre Anne Frank), em Amsterdã; “A Bailarina” (Maya Plisetskaia), em Moscou; “Fight For Street Art” Basquiat e Andy Warhol), em Nova York; e “David”, nas montanhas de Carrara. Em todos os trabalhos, o artista paulistano busca democratizar a arte e transformar as ruas, avenidas, estradas e até montanhas em galerias a céu aberto. Inquieto, estudioso e autodidata, também faz pesquisas com materiais reciclados e novas tecnologias, como a pintura em 3D sobre pavimentos. Em 2018, pintou 20 murais nos Estados Unidos, 18 deles em Nova York.
Cada vez mais conhecido, Kobra fica, é claro, orgulhoso quando vê uma multidão que observa um de seus murais, mas costuma dizer que o que o comove de verdade é descobrir alguém que para no meio da correria da cidade para observar, mesmo que por um minuto, os detalhes dessa obra. Apesar dos murais monumentais, Eduardo Kobra faz sua arte para despertar a consciência e a sensibilidade de cada um de nós. (Airton Gontow)
A seguir, uma síntese das linhas de trabalho de Eduardo Kobra
Muro das Memórias – projeto mais antigo e constante de Eduardo Kobra, que pinta São Paulo antiga. Há cerca de 40 trabalhos em São Paulo. Cria um contraste entre o antigo e o contemporâneo. No antigo mural, agora já apagado, de mil metros quadrados na av. 23 de maio, as pessoas passavam em seus carros, como máquinas, a toda velocidade. O lado humano da avenida estava justamente nos rostos pintados no muro. O artista desenvolveu trabalhos do Muro das Memórias em outras cidades. Fez, por exemplo, lindas criações em Belém (PA), Rio de Janeiro e Santa Maria (RS), além de cidades em diversos países, como Estados Unidos, Suécia, França, Inglaterra, Rússia, Polônia, México, Japão, Emirados Árabes e Taiti.
3D – Kobra é pioneiro nesta arte. Surpreendeu São Paulo fazendo um carro em 3d na Praça do Patriarca. A obra tinha cerca de 30 metros de largura por oito de comprimento. De 98% das posições o espectador via uma mancha no chão. De dois por cento via um carro, “real”, na frente. Fez um Pelé na av. Paulista; um Michael Jackson no Rio de Janeiro (junto com o artista plástico Romero Brito); uma piscina no Rio (homenagem às Olimpíadas); monumentos de Brasília na Esplanada dos Ministérios e um canyon com elementos brasileiros e sul-africanos na Praça do Patriarca, em São Paulo, durante a Copa do Mundo de 2010. Ao total, fez cerca de 20 trabalhos em 3D no Brasil. Kobra participou de diversas edições do Sarasota Chalk Festival, maior evento de 3D do mundo (ler em trabalhos internacionais, ao final do release). Também participou de quatro edições do “Dubai Canvas at City Walk”, nos Emirados Árabes Unidos.
Galeria de Céu Aberto – O artista começou a colocar seus quadros em muros e outros espaços da cidade de São Paulo. Quer mostrar para as pessoas que a arte é acessível, que todos podem entrar em galerias. “Muita gente pensa que não gosta de arte simplesmente porque nunca entrou em museus e galerias”, afirma Eduardo Kobra.
Greenpincel –O projeto, que o artista desenvolve desde março de 2011, busca alertar e combater as agressões do homem aos animais e ao planeta como um todo. Kobra entregou vários murais para a cidade de São Paulo, dentro do projeto. Fez em julho um chocante mural de “boas-vindas”, chamado “Welcome to Amazônia”, na av. Rebouças, 167, com cerca de 7mX5m. O cenário mostra um ambiente arrasado. Pouco antes, concluiu o mural “CO2”, na rua Alvarenga, 2.400, com cerca de 10mX5m, também parte do seu projeto Greenpincel, iniciado com o mural “Navio Baleeiro” (obra crua e forte, baseada em uma cena da caça de uma baleia pelo navio Yushin Maru), realizado em março na rua Domingos de Morais, na Vila Mariana. Kobra pintou o mural “Sem Rodeios”, na av. Brigadeiro Faria Lima, depois de ficar chocado com as imagens nos jornais e sites do bezerro abatido pelo peão César Brosco durante a 56ª. Festa do Peão de Barretos. Fez na rua Cayowaa, em Perdizes, o mural “Mar da Vergonha”, onde critica o massacre de centenas de golfinhos no início de setembro, na pequena cidade de Taiji, na costa meridional da ilha japonesa de Honshu. Em outubro do ano passado fez o mural Alta Mira, onde critica a construção da usina, trabalho que atingiu grande repercussão de público e mídia. Segundo Kobra, o Greenpincel denuncia e combate artisticamente as várias formas de agressão do Homem à natureza. “Todas as tragédias naturais que têm acontecido em nosso planeta mostram que proteger os animais e a natureza como um todo é também uma forma de protegermos o ser humano. Particularmente, sou um apaixonado por plantas e animais. São temas que namoro há muito tempo e, por isso, decidi que já era hora de colocá-los também dentro do meu trabalho como artista”, diz. O Greenpincel marca uma nova etapa nas obras de rua do artista, que buscam basicamente preservar a memória e trazer beleza aos paulistanos, em meio à correria do dia-a-dia. “Gosto muito de resgatar a história e levar beleza às ruas das cidades, o que faço principalmente no projeto ‘Muro das Memórias’, mas há situações em que devemos denunciar, mostrando artisticamente as agressões feitas contra o nosso Planeta”, afirma.
Olhares da Paz– Série inspirada em personalidades importantes da história do Brasil, como o arquiteto Oscar Niemeyer e os compositores Chico Buarque e Adoniran Barbosa além de nomes que contribuíram a para paz, a liberdade, a arte e o humanismo, como Nelson Mandela, Martin Luther King Malala Yousafzai, Dalai Lama, Mahatma Gandhi, Madre Teresa de Calcutá e John Lennon.
Mosaicos–Usa aspectos coloridos e figuras geométricas sobrepostas nas cenas. Esta técnica dá profundidade e cor aos trabalhos. Alguns exemplos desta fase são os já citados murais “O Beijo está no Ar”, em Nova York; e “A Bailarina”, em Moscou. Às vezes a técnica pode se mesclar a outros estilos ou linhas de trabalho do artista. A homenagem a Oscar Niemeyer pertence à fase Personalidades e também à fase Mosaicos.
Trabalhos Internacionais – Eduardo Kobra fez intervenções em países como Estados Unidos, Rússia, França, Itália, Inglaterra, Suécia, Polônia, Japão, Taiti, Emirados Árabes, México e Grécia. Em 2018, pintou 20 murais nos Estados Unidos, 18 murais em Nova York.